A inserção do DIU (dispositivo intrauterino) de cobre aumentou na cidade de São Paulo nos últimos cinco anos. De 7.731 inseridos em 2019, o número chegou a 11.299 em 2023, de acordo com dados do DataSUS apresentados no Mapa da Justiça Reprodutiva.
O documento mostra, porém, que a distribuição das instituições que mais fazem o procedimento tem discrepâncias importantes. Cerca de 1 em cada 5 das inserções feitas no período estão concentradas em 2,3% das instituições de saúde do município e apenas três são UBSs (Unidades Básicas de Saúde).
A Folha entrou em contato com a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo para perguntar sobre o baixo número de inserções do dispositivo pela rede pública da cidade, mas não teve retorno até a publicação deste texto.
De acordo com o mapa, uma iniciativa do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, Bancada Feminista do PSOL na Câmara Municipal e da SMDHC (Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania), as cinco instituições que mais colocaram DIU no período são hospitais ou centros especializados, classificados como serviços de atenção secundária, que precisam de encaminhamento e concentraram 16% de todos os procedimentos da cidade.
Para Carla Marques, especializada em medicina familiar e membro do coletivo, isso sinaliza dificuldades de acesso ao método contraceptivo na atenção primária. Ela diz que existe uma série de barreiras para que as mulheres consigam colocar o dispositivo em UBS, como filas de espera para atendimentos e a necessidade de ir a seis consultas de planejamento reprodutivo em horário comercial para, então, inserir o dispositivo.
Flavia Esteban, obstetriz do grupo, afirma que a concentração do serviço em hospitais ou centros especializados indica que as mulheres podem estar acessando os dispositivo prioritariamente após partos, por exemplo.
Na média dos últimos cinco anos, 97,6% das instituições de saúde da cidade inseriram menos de sete DIUs por mês, 65,9% inseriram menos de dois mensais e 48,1% inseriram um ou nenhum por mês.
A subprefeitura que mais insere o dispositivo é a de Casa Verde/Cachoeirinha, que realizou 73,08 procedimentos a cada 10 mil mulheres em idade fértil. No outro extremo está a subprefeitura de Parelheiros, que coloca 6,22 dispositivos a cada 10 mil.
“Não faz parte da realidade das pessoas na cidade de São Paulo ir até a unidade básica de saúde e acessar um DIU”, diz Letícia Vella, advogada que participou do levantamento.
A mulher que insere o DIU pela rede pública de saúde tem um perfil definido: 44,1% têm de 20 a 29 anos e 46% são brancas. A segunda faixa etária predominante é de 30 a 39 anos (32%), seguida por 40 a 49 anos (13%) e 10 a 19 anos (10,2%). As mulheres de 50 a 59 são minoria (0,8%).
No âmbito racial, pretas são 9% e pardas, 34%. As amarelas representam 7% das inserções. Faltam informações de 4% das usuárias.
O perfil é semelhante àquelas que acessam o serviço de aborto legal, também mencionado no mapeamento. Por meio do CID (Classificação Internacional de Doenças) do aborto por razões médicas e legais, as pesquisadoras levantaram as informações sobre os procedimentos de 2019 a 2022.
Aquelas entre 20 e 29 anos são 49,2%, seguidas das mulheres de 30 a 39, que representam 35,8%. Meninas de 15 a 19 anos são 9,5%, enquanto aquelas de 10 a 14 totalizam 2,1%. O menor índice está na faixa etária de 50 a 59 anos, que somam 0,1%.
O Hospital da Mulher, antigo Pérola Byigton, é responsável por 70% desses procedimentos em São Paulo.
Com o fechamento dos serviços de aborto legal no Hospital Vila Nova Cachoeirinha, são hoje quatro centros de referência da interrupção voluntária legal da gravidez —e 57% deles fizeram menos de dois abortos em quatro anos. São, porém, 21 os estabelecimentos não referenciais no município que já fizeram abortos legais no mesmo período.
O método usado também tem discrepâncias. O padrão-ouro da OMS (Organização Mundial de Saúde) para abortos abaixo de 14 semanas é a interrupção farmacológica, ou seja, com uso de medicamentos. O indicado pela organização é um combo de misoprostol e mifepristona, mas o último não é permitido no Brasil, onde o procedimento por meio de fármacos só é feito até 12 semanas.
O aborto medicamentoso, no Brasil, não tem registros específicos, uma vez que não tem CID dedicada. As responsáveis pelo mapa alertam que os dados podem não ser exatos, pois os abortos medicamentosos estão inclusos nos dados de Amiu (aspiração manual intrauterina) ou curetagem.
A curetagem é um método considerado inseguro pela OMS, uma vez que envolve a raspagem do útero, afirma a ginecologista Mariana Percia, membro do coletivo. O procedimento recomendado para abortos de 14 a 20 semanas é dilatação e evacuação. A prática só é feita em três cidades: Uberlândia (MG), Salvador (BA) e Recife (PE).
A curetagem é feita em 30% das mulheres pretas, 28% das pardas e 18,5% das brancas, perfil que diverge do total de abortos no município, serviço acessado majoritariamente por mulheres brancas.
A ginecologista avalia que o dado pode indicar que as mulheres negras chegam aos serviços com idades gestacionais mais avançadas, e até ser vítimas de viés racista, “punitivista, mesmo inconsciente”, dos profissionais.
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